Meus caros, devo admitir que algo tem se apresentado a mim como uma feliz e sedutora novidade. Trata-se da “arqui-conhecida” interatividade virtual. Há muito tempo possuo um perfil no Orkut, diariamente envio e recebo uma miríade de e-mails, já havia disponibilizado vídeos de minha autoria no youtube etc. Mas nada me instigou tanto quanto a idéia de postar e responder a tópicos de discussão em comunidades do Orkut. É incrível ter de responder, com certo nível de questionamento e com a mesma responsabilidade intelectual que minha formação me confiou, a todas aquelas provocações que os sujeitos vão encadeando de forma peremptória, agressiva, indiferente, blasé – a inflexão psicanalítica diria que isso é quase masoquista; ou melhor, sado-masoquista, pois há satisfação também em responder, correlata a “bater”, “torturar”, se quisermos manter por um instante esta matriz de análise.
É interessante ver algumas reações que desaprovam a proposta do Vai Ler com um simples e cortante "não gostei", supondo que com isso se encerra toda a discussão, quedada genuflexa ante o Império do gosto. Desde já, devo dizer: na vida pública, transpostas as barreiras deste domínio íntimo, todos têm o direito de se posicionar assim e gostar ou não de algo, ainda mais quando estamos num espaço (virtual) relativamente livre das censuras e da monopolização não só econômica, dos grandes grupos de comunicação, mas também estético-político cultural – e é bom que se preze por isso.
O que me preocupa, no entanto, é que a recusa da proposta de um humor inteligente, com referências mais eruditas, que requerem um conhecimento geral mais amplo, não encontra, particularmente entre os jovens, um espaço receptivo sequer para a consideração. Aliás, o problema não é só a rejeição imediata: qualquer proposta que, mesmo quando considerada, fuja criativamente do padrão instaurado por PC Siqueira e Felipe Neto, tem dificuldade de ser bem recebida pelo público hoje – e isso é tão grave quanto à ríspida desaprovação.
É claro que estamos vivendo o auge da febre dessas duas figuras, rapidamente tragadas e convertidas em “celebridades” – e isso, diga-se, não é um mal em si mesmo. Mas devemos pensar, entre outras questões, o porquê da necessidade do público de consumir histericamente algo que reúne e plasma a esmo infantilização, postura non sense, pseudo-intelectualidade, cultura inútil ou inutilmente apropriada (games, HQ’s, seriados etc.) e, pasmem, intolerância - em níveis nunca dantes vistos, que se expressa copiosamente em grosserias, acusações e xingamentos de uma forma que já se tornou clichê; um sadismo diário e naturalizado, que revela no fundo uma aversão ao convívio social.
Uma pergunta simples, elementar, segue ignorada: qual é a graça em mandar alguém para a “pqp” ou coisa do gênero toda vez que se está em desacordo com o mesmo?! Se não for pedir muito, poder-se-ia ir adiante, perguntando qual é a validade de uma crítica que se volta contra o vazio de algum modismo para se tornar ela mesma um modismo vazio? Qual a relação entre crítica, irritabilidade e intolerância? Se há alguma relação, ela é reflexo de uma conjuntura social que ainda pode revelar alguns talentos em meio à desgraçada mediocrização geral ou ela é uma manifestação intrigantemente talentosa, mas preocupante, da suplantação da crítica pela irritabilidade e pela intolerância?
Custa muito responder essas perguntas e custará ainda mais se não forem minimante respondidas. Uma constatação, contudo, é inevitável: o padrão PC/Felipe é o que melhor se adequada à insensibilidade moral, social, política e estética dos jovens de hoje. É como um dispositivo que aciona certas zonas de prazer e que funciona tão bem que até os seus fakes ou coisa que o valha fazem sucesso! Enfrentar, questionar ou apresentar algo alternativo a isso não é tarefa fácil; é algo que toca em estruturas mentais e valorativas já solidamente formadas, com opiniões, gostos, percepções e maneiras de agir gestadas desde tenra idade, que hoje encontram nesses padrões apenas uma forma de se realizarem...
É de se perguntar e imaginar quais formas estético-perceptivas e conteúdos ídeo-políticos serão exigidos por este público quando este dispositivo-padrão, hoje em plena vigência e operação, for descartado com a mesma indiferença com que se alijam propostas como a do Vai Ler – que, aliás, em sua primeira aparição, não é mais do que uma incitação sem maiores pretensões, já que se desconhecia em absoluto o que é senso comum neste mundo dos “vlogueiros”, “blogueiros”, fóruns, comunidades etc., mobilizadas pelas novidades febris do youtube. Agora somos cientes do peso de nossa tarefa... inglória e árdua! Nesse ambiente movediço, onde pensar é ao mesmo tempo uma necessidade urgente e uma virtude residual, o escracho esclarecido será o melhor antídoto?
Abraço,
Vai Ler!